sábado, 22 de setembro de 2012

Bolinhos

Bolinhos…

Bem, hoje não vou falar de nenhum acontecimento da minha vida, mas sim vou falar da importância dos bolinhos. Sim a importância dos bolinhos que alguns dos utentes no final de internamento nos levam como forma de agradecimento pelo nosso trabalho. Mas quem fala em bolinhos, fala em chocolates em doces regionais ou outras iguarias que adoçam a boca dos profissionais de saúde que trabalham directamente com o utente.
Para mim é muito importante. Como guloso assumido e chocodependente, quero explicar o que significa esse gesto.
Nós, enfermeiros, lidamos com tudo que os outros não querem: morte, doença, dor, sofrimento e outros finais menos felizes e temos que o fazer com um sorriso nos lábios, esquecermo-nos que isso existe e desempenhar a nossa função o melhor que sabemos e na maior parte das vezes à sombra de ordenados baixos, dores nas costas e à mercê de gracejos dos médicos, directores e dos próprios doentes. Mas quando um utente nos leva com um sorriso de orelha a orelha, uma caixa de chocolates ou uma caixinha de bolinhos ou uma tarte caseira parece que naquelas fracções de segundo, isso tudo passa e pensamos: olha lembraram-se de nós, estão agradecidos pelo que fizemos… afinal estamos cá.!!!!
Os bolinhos são mais que o que realmente são, são o gesto com os utentes nos dizem obrigado sem corar, são a forma de nos sentirmos acarinhados e são uma forma de nos adoçar o dia.
Entre passagens de turno, dar a medicação, auxiliar nos autocuidados de higiene, realizar pensos, novamente dar medicação, fazer registos, posicionar a pessoa, levantar a pessoa, deitar a pessoa, dar novamente medicação, dar apoio emocional à pessoa, à família, aos amigos, transmitir más noticias, dar o nosso ombro para chorar de tristeza, para chorar de alegria, dar de comer aos utentes que não conseguem comer sozinhos, dar novamente medicação, correr para situações de urgência, apoiar as actividades médicas…. Uff… enfim, temos um minuto de pausa e vamos beber um café e comer alguma coisa. Chegamos à sala de pausa e é tão bom quando há mais alguma coisa que a bolacha Maria ou carcaça que pernoitam no cesto, parece que a toda vontade de continuar está ali concentrada naquele bolinho oferecido, naquele chocolate doado como agradecimento… Comem-se com toda a alegria e quando não sabemos quem ofereceu apressamo-nos a perguntar para associar o doce gesto à pessoa que cuidamos.
Não estou a pedir nada, vejam se me entendem, apenas estou a dizer que também somos humanos e quando estamos 24 sobre 24 horas com os utentes também gostamos que nos digam obrigado… e haverá alguma forma mais doce de o dizer????

domingo, 24 de junho de 2012

Uma estrela que brilha para a eternidade

Ultimamente tenho pensado muito no que hei-de escrever para actualizar o Blog e muitos acontecimentos passados na minha vida de enfermeiro me vêm à cabeça para poder partilhar, mas especialmente um relembro com tristeza, carinho e nostalgia.
Há cerca de 5 anos, talvez, conheci um grande sr. da musica portuguesa: João Aguardela. Para quem não conhece o nome, foi o vocalista da banda Sitiados, aquela banda que cantava esta vida de marinheiro está a dar cabo de mim… paparrapara…
Acompanhei todo o processo de doença do qual foi vitima, desde o diagnóstico até ao trágico desfecho. O João foi morreu de cancro intestinal, doença que a pouco e pouco que foi ceifando pedaços do intestino sucessivamente ate ficar apenas um pequeno pedaço. A alimentação fazia-se por uma sonda inserida nesse pedaço, mas pouco era absorvido, e tinha que ter um soro.
Não posso contar mais sobre situação dele pois faz parte do segredo profissional a que devo obedecer, no entanto quero partilhar uma conversa que tive com ele antes de ele falecer.  Aconteceu num ambiente informal, perto da máquina do café. Já tinha saído de turno e estava de visita aos meus colegas do meu antigo serviço.
Já era final do dia, o ambiente estava escurecido com nuvens cerradas lá fora mas temperadas por laivos alaranjados de um pôr-do-sol que se antevia. A luz que entrava pela janela batia no rosto do João e os pingos do soro a cair brilhavam a cada movimento. Sentado no sofá das visitas, como quem espera por algo, João estava em silêncio a olhar para um fim anunciado. Visivelmente emagrecido, e quem conhecia o João sabia que era um homem magro, com a pele acinzentada e os grandes olhos azuis encovados no rosto apercebeu-se da minha inoportuna chegada que rompeu toda a melancolia e romantismo do ambiente.
Fiquei atrapalhado mas o sorriso do João denunciou logo a alegria de me ver. Convidou-me a sentar junto a ele e a conversa iniciou-se com o trivial: Como está? Como se sente? O que tem feito? etc. até que chegámos ao tema da música: a grande paixão dele. Disse-lhe que nessa manhã tinha pensado nele porque tinha ouvido a famosa canção Esta vida de marinheiro e que era uma canção que fica para a eternidade, assim como os Filhos da nação dos Quinta do Bil ou a Alegre casinha dos Xutos. Ele sorriu e disse-me que ainda bem que pensava assim, pois assim podia partir e sabia que tinha deixado a marca dele no mundo e que antes de se despedir estava a pensar em deixar outras canções escritas para que fossem a sua voz cantada por outros.
Sem dúvida, que o João tinha uma estrela no ombro que brilhava mais que as outras, tinha um carisma especial de grande artista e tinha uma voz que o tornava único.
Diz-se que o João morreu no Hospital da Luz, que foi lá morrer para não o fazer junto a quem viveu a sua doença e para não ser recordado como um corpo inerte, mas sim como alguém que lutou até ao final para partir com dignidade. Eu soube pela rádio e não consegui segurar uma lágrima que me escorreu pelo rosto.
João, se de alguma forma me estás a ouvir, quero repetir-te o que te disse naquele dia: podem não lembrar-se da tua cara, não saber quem tu eras ou o que tu fazias mas a tua voz nunca vai ser esquecida.

domingo, 25 de setembro de 2011

O resíduo que fica de uma pessoa...

Na minha profissão muitas situações nos deixam constrangidos, tristes e sem capacidade de resposta. Esta é mais uma destas situações que me deixaram sem resposta.
No decorrer do meu estágio em Madrid, foi chamado à consulta de psicologia um paciente homem, já com uma certa idade e com uma degradação física evidente para avaliar como estava o processo de reabilitação a decorrer. Durante a consulta foi-lhe perguntado se sabia qual era o seu diagnóstico médico. Sem retirar os olhos do chão respondeu, em tom baixo de voz, que sim, que era esquizofrenia residual. Foi-lhe então perguntado se sabia o que era. Mais uma vez respondeu que sim e num tom de voz ainda mais baixo, quase inaudível disse, levantado o olhar, “é o resíduo que fica de uma pessoa”.
            Fez-se silêncio e pouco mais foi dito sobre o tema. Todos os profissionais presentes sentiram as palavras que o paciente pronunciou e nenhum deles conseguiu acrescentar o quer que seja, a esta ideia.
            Eu senti um aperto no estômago, aquela moinha nervosa que aparece em certos momentos importantes da nossa vida, e as palavras deste paciente ecoaram na minha cabeça durante horas nesse dia. Reflecti muito sobre o assunto e tentei encontrar uma definição mais completa de esquizofrenia residual mas a verdade é que nenhuma me satisfez e a define com tanto incómodo como o paciente a definiu.
            Ao consultar a DSM IV esta refere-nos que a Esquizofrenia, Tipo Residual deve ser usado quando houve pelo menos um episódio de Esquizofrenia, mas o quadro clínico actual não apresenta sintomas psicóticos positivos proeminentes (por ex., delírios, alucinações, discurso ou comportamento desorganizados). (F20.5x - 295.60 Tipo Residual - DSM.IV)
            Existem contínuas evidências da perturbação, indicadas pela presença de sintomas negativos (por ex., afecto embotado, discurso pobre ou avolição) ou dois ou mais sintomas positivos atenuados (por ex., comportamento excêntrico, discurso levemente desorganizado ou crenças incomuns). Se delírios ou alucinações estão presentes, eles não são proeminentes nem são acompanhados por forte afecto. O curso do Tipo Residual pode ser limitado, representando uma transição entre um episódio pleno e uma remissão completa. Entretanto, ele também pode estar presente de uma forma contínua por muitos anos, com ou sem exacerbações agudas.
Um tipo de Esquizofrenia no qual são satisfeitos os seguintes critérios:
A. Ausência de delírios e alucinações, discurso desorganizado e comportamento amplamente desorganizado ou catatónico proeminente.
B. Existem evidências contínuas da perturbação, indicadas pela presença de sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas relacionados no Critério A para Esquizofrenia, presentes de forma atenuada (por ex., crenças estranhas, experiências perceptuais incomuns).
            A CID 10 define a Esquizofrenia residual como Estádio crónico da evolução de uma doença esquizofrénica, com uma progressão nítida de um estádio precoce para um estádio tardio, o qual se caracteriza pela presença persistente de sintomas "negativos" embora não forçosamente irreversíveis, tais como lentidão psicomotora; hipoactividade; embotamento afectivo; passividade e falta de iniciativa; pobreza da quantidade e do conteúdo do discurso; pouca comunicação não-verbal (expressão facial, contacto ocular, modulação da voz e gestos), falta de cuidados pessoais e desempenho social medíocre.
           
            Se fizer a comparação destes critérios com o que o paciente disse será que a definição que ele apresentou não estará tão completa?
            Ao consultar o dicionário da língua portuguesa e procurarmos a definição de resíduo encontramos: Que resta. s. m. Aquilo que resta. O que fica das substâncias submetidas à acção!ação de vários agentes químicos; fezes; resto. Pois não será a esquizofrenia residual o que resta depois do instalar da doença?
            Fez-me pensar e ao olhar para trás e visualizar os pacientes que apresentam este diagnóstico apercebi-me que a esquizofrenia não é só incapacitante mas reduz o ser humano na sua verdadeira essência, deixando por vezes o resto de uma pessoa que antes da doença tinha expectativas de um futuro sem limitações.
            Não estou a dizer que estes doentes não apresentem expectativas, pelo contrário, só estou a focalizar a parte negativa da doença que se evidencia nas limitações que facilmente observamos nestes doentes. Muitos pacientes conseguem uma vida quase normal, autónomos e com o mínimo de ajuda institucional. E apresentam expectativas, sonhos e desejos. Se assim não fosse, os programas reabilitacionais a que tenho assistido e todo o trabalho que tem sido desenvolvido com estas pessoas seria inglório.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

À minha espera para dizer adeus...

Trabalhei pouco tempo no IPO em Lisboa mas algumas experiências marcaram-me muito. Algumas recordo-as com alguma nostalgia e lembram-me momentos de alegria, mas a maior parte fazem-me sentir tristeza e um aperto no peito como se de uma ferida se tratasse.
No IPO lidamos com pessoas com cancro, tabu social ligado a morte e ainda pouco ligado à esperança. mas a verdade é uma só quem trabalha num sítio assim, nao escapa de uma dose de paranoia hiponcondríaca. Depois de algum tempo já temos sintomas imaginários e procuramos no nosso corpo sinais que não existem. É um trabalho/missão que não é para todos.
Trabalhei lá pouco tempo, mas depois deste episódio que vou a relatar não consegui mais e saí quando tive oportunidade.
Tinha iniciado o meu trabalho na instituição há cerca de 3 meses, e lá temos os pacientes distribuidos por enfermeiros, actuamos segundo o método de enfermeiro responsável.
Foi-me destribuída uma paciente que foi submetida a uma vulvectomia por carcinoma da vulva. Para mim a cirurgia mais mutilante para a mulher. Cirurgia para remover toda a vulva (os órgãos genitais femininos externos, incluindo a abertura clitóris, lábios e vagina) e os linfonodos próximos.(http://wikbio.com/pt)
Era uma senhora com os seus setenta anos, um pouco obesa com as marcas de uma vida feliz no rosto. assemelhava-se fisicamente com a minha avó, depois mais tarde descobri também que era parecida psicológicamente. Desenvolvemos uma realção muito engraçada logo de inicio. eu disse-lhe que ela era parecida com a minha avó e que sentia saudades dela pois estava sozinho em Lisboa. A empatia foi imediata e depois de algumas horas de contacto ela disse-me que apesar de ter 10 netos me adoptava como mais um. Era a minha avó lisboeta.
O Tempo foi passando e todos os dias eu chegava junto a cabeceira da minha avó adoptiva e lhe dizia: Bom dia avó como se sente hoje. Ela com um olhar meigo e um sorriso rasgado me respondia bom dia meu neto, estou bem, Deus te abençoe. A relação evoluiu e viam-se melhoras no estado de saúde dela.
A hora das visitas era rodeada de muito amor com os netos em volta da avó galinha e eu ali estava como mais um neto, a quem ela chamou o meu novo neto. Sorria ao dizer-me isto e toda a familia me acarinhava como se mais um membro eu fosse.
A verdade é que me senti muito encarinhado e apesar de saber que o meu envolvimento emocional com oas pacientes tem que ter limites, nesta situação envolvi-me pois quando estamos rodeados de amor queremos ser amados.
Chegou o meu momento de férias. Tinha uma semana de férias  para gozar e despedi-me da minha avó adoptiva e desejei-lhe boas melhoras acompanhadas com um beijo na testa.
Fui ter com a minha familia biológia e matar saudades daqueles que amo.
Regressei de férias e depois de passar o turno dirigi-me ao quarto da minha avó adoptiva. Já não era minha paciente mas a afinidade ficou e tinha que saber como ela estava. Fui perguntar como ela estava aos meus colegas. Disseram-me que estava pior e que o tumor tinha metastizado e que estava em estado comatoso há dois dias. Não foi fácil ouvir que uma pessoa a quem me tinha ligado tanto, já não estava consciente há dois dias e que estava a morrer.
Fiz-me forte, contive as lágrimas e fui vê-la na esperança de um sorriso.
Sentei-me perto dela, peguei-lhe na mão já gelada e como sempre tinha feito disse-lhe:
Bom dia minha avó, como se sente hoje?
Ela, sem abrir os olhos, numa voz trémula mas com toda a doçura que a tinha respondeu-me baixinho.
Bom dia meu neto, Deus te abençoe para toda a vida...e morreu.
Chorei.......

Christina Perri - The Lonely (Official Lyric Video)

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O Estigma do Doente Mental

Um dia desta semana, fui passear pela baixa lisboeta numa tentativa de desanuviar a cabeça dos problemas do dia-a-dia. Podia ter ido ao teatro, ao cinema, a um shopping mas não, fui passear para as ruas da baixa e observar as pessoas.
No meio da azáfama diária e da correria habitual do meio da tarde, do meio da semana e do meio da vida, encontrei todo o tipo de gente, com todo o tipo de maneira de vestir e com o todo o tipo de caminhar. Encontrei os despreocupados, como eu, que por ali passeavam, os apressados que caminhavam freneticamente e os outros que caminhavam e que balbuciavam alguma coisa e depois paravam, voltavam a dizer algum disparate e continuam a caminhar. Estes últimos a que me refiro, são os chamados “loucos”, que toda a gente olha e se afasta, podem rir de algo que dizem mas afastam-se com medo de não sabem bem de quê, são os excluídos socialmente que ninguém compreende.      Destaco duas figuras que ficaram marcadas na minha memória neste meu passeio analítico: um homem de meia-idade, de higiene duvidosa que gritava para quem quisesse ouvir “o Sócrates é um panaleiro”, “lambe a co.. a todos” e uma senhora por volta dos seus setenta anos, quase nua da cintura para baixo, descalça e com aspecto sujo, gritava em calão frases não compreensíveis. Olhei em volta e verifiquei que as outras pessoas riam e afastavam-se, e algumas nem olhavam com medo. Compreensível mas aceitável? Ponho algumas questões.
 Foram estes “loucos” que me levaram a pensar sobre o doente mental na sociedade, sobre o estigma do doente mental.
            As doenças mentais, talvez porque continuam a convocar os nossos medos mais profundos, continuam a ser algo tabu, proibidas no nosso discurso e disfarçadas com termos mais suaves como esgotamentos e problemas de cabeça. São doenças que estigmatizam as suas vítimas de forma subtil, segregando o doente e até os seus familiares.
            O confrontar um doente mental dá à maioria das pessoas um desconforto, porque tudo o que é diferente amedronta, porque se confrontam com uma realidade que lhes poderá acontecer e ainda que, inconscientemente, têm medo de ser um “espelho”.
            Mas o isolamento destes doentes resulta também do facto dos outros ditos “normais” não terem tempo para os ouvir ou nem sequer prestarem atenção naquilo que eles dizem.
            São muitos deles pessoas sozinhas, para não dizer abandonadas, e cheias de vontade de abraçar, beijar e rir.
            Importa que seja dado o primeiro passo no sentido de se desmistificarem as doenças e o doente psiquiátrico. Terão que ser as instituições, com uma política de proximidade com a comunidade e as famílias transmitindo as suas experiências, demonstrando que a doença psiquiátrica é uma eventualidade como qualquer outro tipo de doença, não é contagiosa e pode ser curada ou controlada, permitindo que o doente faça uma vida normal e socialmente útil.
            Mas afinal o que é isto de estigma? Melhor o que é o estigma social?
            Fazendo uma pesquisa simples num motor de busca virtual, encontramos alguns conceitos e quase todos referem a doença mental como motivo de estigma.
            A Wikipédia refere que o “Estigma social é uma forte desaprovação de características ou crenças pessoais que vão contra normas culturais. Estigmas sociais frequentemente levam à marginalização. Exemplos de estigmas sociais históricos ou existentes podem ser deficiências físicas ou mentais, ilegitimidade, homossexualidade, filiação a uma nacionalidade, religião (ou falta de religião) ou etnicidade específicas, tais como ser judeu, negro ou cigano. Outrossim, a criminalidade carrega um forte estigma social”.
            Refere ainda que “O estigma pode se apresentar em três formas: Deformações aparentes ou externas. Exemplos deste tipo são manifestações físicas de anorexia nervosa, hanseníase ou defeito físico. Segundo, desvios conhecidos em características pessoais. Por exemplo, viciados, alcoólatras, deficientes mentais e criminosos são estigmatizadas desta forma. Terceiro, "estigmas tribais" são característicos de um grupo étnico, nação ou religião que se constituem em desvios ao padrão dominante. Por exemplo, o povo judeu na Alemanha Nazista.

Já a Infopédia refere-nos que o conceito actual de estigma social é mais amplo; considera-se estigmatizante qualquer característica, não necessariamente física ou visível, que não se coaduna com o quadro de expectativas sociais acerca de determinado indivíduo. Todas as sociedades definem categorias acerca dos atributos considerados naturais, normais e comuns do ser humano – o que Erving Goffman (1922-82) designa por identidade social virtual. O indivíduo estigmatizado é aquele cuja identidade social real inclui um qualquer atributo que frustra as expectativas de normalidade.
Goffman distingue três tipos de estigma: as deformações físicas (deficiências motoras, auditivas, visuais, desfigurações do rosto, etc.), os desvios de carácter (distúrbios mentais, vícios, toxicodependências, doenças associadas ao comportamento sexual, reclusão prisional, etc.) e estigmas tribais (relacionados com a pertença a uma raça, nação ou religião).

O termo estigma provem dos gregos ao referirem-se aos sinais corporais (como cortes ou queimaduras) que permitiam advertir que a pessoa era corrupta (como um escravo ou criminoso) e que devia evitar-se, especialmente em locais públicos. Posteriormente com o Cristianismo adicionaram-se mais dois sinais, as erupções cutâneas e os sinais corporais de perturbação física. (Mateu:2007).
Goffman citado por Nunes de Miranda e Furegato (2006:559) afirma que o estigma é caracterizado pela sociedade, por atributos considerados incomuns e a-naturais, observados e evidenciados nas últimas interacções psicossociais. As características podem ser distintas e evidentes e/ou não percebíveis. Assim, permitem a construção da identidade social. Noutras palavras, entendemos o estigma como um desvio do comportamento social.
 Já Fazenda (2008: 29) refere-nos que o estigma tem origem nos estereótipos (padrões sociais) e preconceitos (atitudes individuais) que existem na sociedade e que se transformam em discriminação. A acrescentar a este estigma objectivo, temos que considerar o estigma subjectivo, que é uma interiorizarão dos preconceitos, levando o doente a acreditar que é, de facto, incapaz para a vida social.
Segundo a Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares (ADEB) “O Estigma relacionado com a doença mental provém do medo do desconhecido, dum conjunto de falsas crenças que origina a falta de conhecimento e compreensão.”.
            Poderíamos apresentar outros conceitos de estigma social mas em todos eles se fala na divergência entre os comportamentos do estigmatizado e as regras sociais, e como exemplo quase todos falam do doente mental.
            O estigma para o doente mental pode ser mais incapacitante como a própria doença, é como um atestado de incompetência social passado pelos outros que o rodeiam, é ceifar grande parte das hipóteses de sucesso para o indivíduo. Nunes de Miranda e Furegato (2006:558) assumem que O estigma assume dupla perspectiva no contexto psicossocial: desacreditado/desacreditável. Esse movimento se dá quando o indivíduo reconhece e assume a sua característica distinta e evidente perante o espaço publico, considerando-se desacreditado.
            O estigma enquadra-se na falta de respeito, em rótulos, mitos e falsas crenças, constituindo-se uma barreira e desencoraja as pessoas e as suas famílias a procurarem ajuda. E há doenças mentais, que, quanto mais cedo começarem a ser tratadas, melhor poderá ser a sua evolução. (Moniz. 2004)
            Esta característica castradora do estigma, leva á rejeição com base na diferença, leva à exclusão social com o incutir de vergonha e revolta no indivíduo estigmatizado. O indivíduo, pela rejeição, passa a acreditar que de facto possui um defeito que o impede de corresponder ao que se espera dele, que o impede de se enquadrar nos padrões sociais, diminuindo desta forma a auto-estima, a vontade de procurar ajuda e a desenvolver um processo de encobrimento.
            Goffman citado por Fazenda (2008:30) refere que existe um ciclo natural de encobrimento, que começa pelo encobrimento inconsciente, depois passa ao encobrimento involuntário, que pode ser momentâneo ou em ocasiões rotineiras da vida quotidiana e, no extremo, será um encobrimento completo ou desaparecimento. 
            Como consequência desta atitude discriminatória, a pessoa estigmatizada, carente de retroalimentação que supõe o intercâmbio quotidiano e saudável com os outros, irá sentir-se insegura (ou desconfiada, ou hostil ansiosa, depressiva, etc.) sabendo que existe algo na sua vida que os outros não aceitam e não podem mudar. (Nunes de Miranda e Furegato. 2007)
            Hayward e Bright (2201) citados por Nunes de Miranda e Furegato (2007) baseiam o estigma social em três pressupostos:
-         Percepção da perigosidade do doente mental, acompanhada de uma sensação de ameaça pessoal quando se esta com ela.
-         Atribuição de responsabilidade ao doente pela origem da sua doença, como se a merecesse.
-         Sensação que a doença se mantém estática, pelo que não são esperadas mudanças positivas e, como consequência, o evitamento e a exclusão resultam inevitáveis.
Ao perceber que a dimensão do estigma é tão abrangente e nefasto para o indivíduo, família e sociedade em geral, pergunto-me o que podemos fazer para diminuir o estigma social para com o doente mental? Pergunto-me ainda a que níveis podemos actuar para diminuir este impacto estigmatizante?
De acordo com Moniz (2004), o combate ao estigma passa por três níveis: a imagem dos serviços de Saúde Mental e dos psiquiatras, a educação do doente e suas famílias e a informação correcta da comunidade.
No primeiro ponto a autora refere-nos que a mudança de visão da saúde mental, com a introdução da especialidade nos Hospitais Centrais não foi suficiente para mudar as muralhas da visão asilar e paternalista dos Serviços de Psiquiatria. Mas pensa que combater o estigma em doença mental começa nos psiquiatras, pois se pretendemos enquadrar cada vez mais as perturbações, da mente no cérebro, e cada vez mais surgem evidências cientificas nesse sentido, então também quem trata é, antes de mais, um médico que vê a pessoa como um todo, diferenciado em doenças mentais, como outro se especializa em doenças de coração ou do rim.
Em conclusão, queremos psiquiatras de orientação biológica e bons conhecimentos em psicofarmacologia, porque foram eles que de facto, ajudaram a mudar a ideia de que a psiquiatria “era só conversa” e pouco rigor científico. (N. Sartorius (2002) citado por Moniz (2004:5).
Fala-nos ainda que, o estigma da doença mental é um obstáculo forte para qualquer intervenção nesta área, atribuindo-se à Saúde Mental o orçamento mais baixo. Mas antigamente pela quase inexistência de tratamentos disponíveis o problema não era tão notório, mas com o boom dos psicofármacos este não investimento na saúde mental faz toda a diferença.
Quanto á educação dos doentes e suas famílias, autora fala-nos da importância das psicoterapias, de associações de doentes e da psico-educação dos doentes e famílias no combate ao estima, realçando a troca de experiências, a aquisição de informação e o desenvolver de aptidões par melhor lidar com o stress.
 A nível da atitude do público em geral, é fundamental a transmissão de informação adequada para o publico (através dos média) que retire as conotações sociais negativas da doença mental e que combata os falsos mitos. Na modificação das crenças das pessoas e na aceitação da patologia em geral, ajuda o conhecimento de pessoas famosas que, em vida, ou postumamente foram consideradas doentes. (Moniz.2004:6).
Já Bauer (2002) citado por Jara (2008:5) fala-nos de A necessidade de uma melhor instrução e educação, designada psicoeducação quando aplicada às doenças psiquiátricas, tornou-se evidente já que adesão ao tratamento e o estigma são reconhecidos como problemas da maior relevância. O mesmo autor menciona M. Thase (2002) ao constatar que os factores comuns a todas as terapias são: a educação sobre a doença, com a colaboração do doente e família na planificação do tratamento da doença; reparação, estabilização e, se possível reforço das redes de apoio social; intervenções para saber lidar com os sintomas; reconhecer sinais precursores e resolver problemas concretos.
Concordante com estes autores e em forma de resumo Mateu (2007) diz que a normalização deveria acontecer mediante a criação de “espaços de escuta social” que permitam desenvolver habilidades e qualidades dos afectados, respeitando as suas características, já que entre as razões do estigma, está presente a atitude monológica e surdez a qualquer forma de escuta do interlocutor. Os discurso profissionais e dos peritos não podem ser os únicos no cenário terapêutico e social, pois o risco da sua presença única é também, o assumir de um modelo unidireccional que coloca os estigmatizados, as famílias e os grupos sociais numa posição de passividade.
A mesma autora salienta a o papel dos enfermeiros, mais concretamente dos especialistas em saúde mental, no combate ao estigma actuando como agentes activos nas mudanças sociais através de intervenções psicossociais e estratégias de educação para qualquer dos âmbitos da assistência.
Em jeito de conclusão, penso que cabe a todos mudar este estigma, lutar para que o respeito, a igualdade e a não descriminação do doente mental na sociedade seja mais que uma utopia e passe a ser um objectivo social.

Bibliografia

Fazenda, Isabel. O puzzle desmanchado: saúde mental, contexto social, reabilitação e cidadania. Lisboa: Climepsi Editores. 2008. p.29-33.

Jara, José Manuel. Doença Bipolar, Estigma e Psicoeducação. Bipolar. nº 33. ano XI. 1º semestre. Lisboa: ADEB. 2008. p. 3-7.

Jorge-Monteiro, Fátima. Ewpowerment e prevenção do estigma social da doença mental. Bipolar. nº 33. ano XI. 1º semestre. Lisboa: ADEB. 2008. p.20- 22.

Mateu, Maria Pilar; Cuadra, Assumpta. El estigma en la salud mental – un reto para el siglo XXI. Revista ROL. Barcelona. 2007. Novembro. p.16-28.

Miranda, Francisco; Furegato, Antonia. Estigma e Preconceito no Quotidiano do enfermeiro Psiquiátrico: A negação da sexualidade do doente Mental. Revista Enfermagem UCRI. Rio de Janeiro.  nº 4. Vol. 14. 2006. Outubro/Dezembro. p. 558-565.

Moniz, Margarida. O Estigma em Saúde Mental. Bipolar – Revista de apoio aos doentes e bipolares. Lisboa.  nº 25. 2004. Abril/Dezembro.

Rosen, Dean L.. Estigma, Doença e Saúde Mental. Bipolar – Revista de apoio aos doentes e bipolares. Lisboa.  nº 16. 2000.  2º trimestre.




quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Reabilitação em Psiquiatria

 A reflexão sobre um assunto implica que saibamos o que actualmente se aceita como conceito, quais as características que o definem e quais os elementos que o compõem. Vou então, apresentar alguns conceitos universalmente aceites e que servem de base a qualquer programada de reabilitação implementada ou que se queira implementar.
            Segundo a OMS (1995), reabilitação em psiquiatria é um processo que oferece aos indivíduos que estão debilitados, incapacitados ou deficientes, devido a perturbação mental, a oportunidade de atingir o seu nível potencial de funcionamento independentemente da comunidade. Envolve tanto um incremento de competências individuais como a introdução de mudanças ambientais.
            Já o Relatório Mundial de Saúde (2001) refere que, as estratégias de reabilitação psicossocial variam segundo as necessidades do utente, o contexto no qual é promovida a reabilitação (hospital ou comunidade) e as condições culturais e socioeconómicas do país onde é levada a cabo. As redes de habitação, reabilitação profissional, emprego e apoio social constituem assim aspectos da reabilitação psicossocial. Os principais objectivos são a emancipação do doente, a redução da descriminação e do estigma, a melhoria da competência social e individual e a criação de um sistema de apoio de longa duração.
           
            Numa perspectiva mais pessoal Cordo (2003) define que a reabilitação não é o meio onde se faz, mas sim os métodos que se utiliza para atingir os objectivos, especifica que:
 Intervir em reabilitação, não é somente produzir (…) Implica aumentar a satisfação sentida pelo reabilitado; ajudá-lo a implementar estratégias para melhor gerir a sua realidade global, participar e promover a sua cidadania integral (…) é respeitar cada pessoa para além, ou apesar da doença; é assumir que o que importa não são só os serviços de reabilitação de que dispomos, mas os programas que conseguimos delinear, considerando cada indivíduo como primeira prioridade; é transformar a pessoa doente numa gestora consciente e critica das suas competências e das suas incapacidades; é ainda informar sem iludir, motivar sem impor, sugerir sem ameaçar, apoiar sem proteger e tantas vezes, estar presente sem se deixar ver.” (Cordo. 2003:83).

            Neste sentido podemos dizer que a reabilitação faz parte da prevenção terciária, e trata-se de um processo que consiste em ajudar para que a pessoa volte ao nível mais alto possível do seu funcionamento. O objectivo é ensinar os indivíduos incapacitados pela doença mental a trabalhar e a viver independentemente, a superar bloqueios tanto em oportunidades quanto na motivação e seguir regimes de vida que tendem a manter ou restaurar o nível mais alto possível de bem-estar. (Sundeen in Stuart e Laraia.1998:275)
           
            A mesma autora refere que a reabilitação psiquiátrica teve a sua origem na necessidade de pessoas com “doenças mentais sérias” vivessem, aprendessem e trabalhassem nas suas próprias comunidades. Este enfoque na pessoa, mas direccionado para um processo reabilitacional na comunidade, implicou a reestruturação dos serviços de saúde mental e a própria legislação vigente.
            O modelo comunitário, inspirador do nosso actual sistema, foi particularmente preconizado pela OMS no início dos anos 70, sendo desenvolvido em vários países da Europa e da América do Norte, caracterizando-se, genericamente, pelo facto de as estruturas de intervenção:
• Estarem localizadas mais perto da residência dos cidadãos;
• Serem parte do sistema de saúde geral, o que contribui para diminuir o estigma frequentemente associado às instituições psiquiátricas;
• Disponibilizarem a globalidade de cuidados (preventivos, terapêuticos e reabilitativos), de modo abrangente, com garantia da sua continuidade pela mesma equipa profissional e com estreita articulação entre os diversos prestadores.
(http://www.arslvt.minsaude.pt/DocumentosPublicacoes/outrosdodumentos/Documents/Ref_Hosp_Psiquiatria.pdf)

            Em Portugal actualmente é defendido e legislado, o abandono da cultura asilar para uma cultura comunitária do doente mental. Defende-se a reinserção social, o seguimento comunitário do processo reabilitacional e o envolvimento da própria comunidade no processo.
            Esta perspectiva foi também assumida por Portugal, em 1985, na 2.ª Conferência de Ministros da Saúde do Conselho da Europa, em Estocolmo, a qual consignou que “a organização assistencial deveria transitar dos hospitais psiquiátricos para serviços comunitários baseados em hospitais gerais e em estreita articulação com as unidades de cuidados de saúde primários”.
(http://www.arslvt.minsaude.pt/DocumentosPublicacoes/outrosdodumentos/Documents/Ref_Hosp_Psiquiatria.pdf)
           
            O envolvimento da comunidade neste processo, directamente como interveniente ou indirectamente na formação e educação, contribui para o combate ao estigma social, na luta contra ao isolamento asilar e na prevenção de novas recaídas e reinternamentos do doente mental.
            A desinstitucionalização dos serviços de saúde mental e a criação de serviços desta natureza ao nível dos cuidados primários, dos centros comunitários e dos hospitais gerais, adequados às necessidades dos doentes e das respectivas famílias podem contribuir para a inclusão social. Os grandes hospitais ou asilos psiquiátricos podem facilmente contribuir para reforçar a estigmatização. No âmbito de reformas dos serviços psiquiátricos, muitos países estão a abandonar a prestação de serviços de saúde mental através de grandes estabelecimentos psiquiátricos (em alguns dos novos Estados-Membros, as instituições desta natureza ainda representam uma grande parte da infra-estrutura dos serviços de saúde mental) em favor de serviços de proximidade.       Esta tendência está em sintonia com a formação dos doentes, das respectivas famílias e do pessoal em estratégias de participação activa e de autonomização.
(http://www.arslvt.minsaude.pt/DocumentosPublicacoes/outrosdodumentos/Documents/Ref_Hosp_Psiquiatria.pdf)

            Porque a reabilitação não dá ênfase aos sintomas psicopatológicos mas sim às capacidades funcionais dos indivíduos (Cordo, 2003), o papel do enfermeiro torna-se fundamental na capacitação e no empoderamento da pessoa no seu processo reabilitacional para que o processo de reinserção social seja o mais eficaz possível e se perspective um futuro funcional e com número mínimo de internamentos.
            A enfermagem psiquiátrica deve ser estudada nos contextos do paciente do paciente e do sistema social. Isso exige que o enfermeiro mantenha seu foco em três elementos: no indivíduo, na família e na comunidade. Os cuidados de enfermagem para pessoas com doença mental séria está relacionada a esses três elementos e com as actividades de avaliação, intervenção e avaliação final. (Sundeen in Stuart e Laraia.1998:276)

            Esta visão integrada da reabilitação é, sem dúvida, o ideal para o bom funcionamento do doente mental na comunidade, no entanto, considero que este processo que visa a autonomia da pessoa poderá ser de difícil aplicação prática em alguns casos. A doença mental grave, que afecta as capacidades motoras e cognitivas da pessoa em grande percentagem dos casos, não permite uma independência total da pessoa na comunidade, continuando a pessoa depender de estruturas organizacionais ou da boa vontade alheia.
            Não sendo um “Velho do Restelo”, considero que a reabilitação exige um despertar para a autonomia, um reaprender a viver e uma nova forma de encarar o mundo, mas é necessário ter consciência que existem limitações individuais inerentes à pessoa, à gravidade da doença e à capacidade da comunidade em dar resposta. Considero que é fundamental um traçar realista de objectivos tendo sempre em conta os recursos existentes e as limitações da pessoa. Conquistar a autonomia por etapas em que cada objectivo traçado foi atingido é uma grande vitória para o paciente, para a família e para o profissional.

            Programa de reabilitação no Instituto Psiquiátrico Servicios de Salud Mental José Germain
            O programa de reabilitação do Instituto Psiquiátrico Servicios de Salud Mental José Germain inicia-se na notificação do paciente para este programa (detecção de casos). Esta notificação vem normalmente do Centro de Saúde Mental, mas poderá vir de um Hospital geral ou da Unidade de Hospitalização Breve (UHB). Após esta notificação uma equipa multidisciplinar reúne-se, estuda caso por caso e identifica (ou não) necessidades de cuidados de reabilitação (avaliação). Identificadas essas necessidades é feito um PIR (plano individualizado de reabilitação) e o paciente integra os dispositivos de reabilitação tendo em conta os objectivos traçados e as necessidades afectadas (gestão de casos). Os dispositivos de reabilitação são o Centro de dia de Reabilitação, as Unidades de Reabilitação 1 e 2, os apartamentos supervisionados e o Hospital de Dia. (Programa de rehabilitación y apoyo comunitário Instituto Psiquiátrico José Germain. 1997).                                                                                                                                           
            O Plano individualizado de reabilitação é um plano estruturado, definido pela equipa multidisciplinar mas “formalizado no papel” pelos psicólogos. A sua aplicação envolve todos os profissionais e a constante avaliação da sua aplicação implica a sua frequente reestruturação.
            O desenho do PIR apresenta o seguinte formato:
1 – necessidades do paciente;
2 – recursos do paciente;
3 – objectivos de reabilitação;
4 – actividades e áreas de intervenção;
5 – estruturação temporal.
            A execução do PIR passa pela reabilitação laboral, a reabilitação psicossocial e a reabilitação ocupacional.
            A reabilitação laboral está relacionada com as habilidades e ajuste laboral, com a orientação vocacional e a procura de emprego.
            A reabilitação psicossocial tem como objectivos estimular a autonomia e autocuidado nas actividades da vida diária, desenvolver e estimular o funcionamento cognitivo, realizar educação para a saúde, desenvolver técnicas de autocontrolo, estimular as habilidades sociais, prevenir recaídas e intervir junto das famílias através da psicoeducação.
            A reabilitação ocupacional como o próprio nome indica passa pelo desenvolvimento de actividades ocupacionais, o estímulo da autonomia e autocuidado e a aderência à medicação.
            Como já foi referido neste programa, todos os profissionais intervém na sua implementação. No entanto, foi desenvolvido o sistema de Tutorias.
            As Tutorias é um sistema de trabalho que:
-  permite trabalhar um conceito global e individual do paciente;
- precisa de um trabalho multidisciplinar;
- é um processo dinâmico;
- implica os pacientes na detecção, selecção, priorização e estabelecimento de metas e seguimento dos seus resultados.
            Deve ter em conta que:
-  devem formar-se metas pequenas, claras e graduais;
- os progressos devem ser acompanhados de frequente feedback e reforço positivo;
- as mudanças destes pacientes são, frequentemente, muito lentos;
- são utilizadas técnicas de modificação de conduta;
- e é necessária uma continua formação da equipa multidisciplinar.
            O tutor é a pessoa encarregada de supervisionar a execução do PIR. É o profissional que intervém directamente na realização do plano, na sua execução e na sua avaliação. Tem como função facilitar o acolhimento na unidade do paciente durante os primeiros dias de internamento e participar na articulação dos recursos assistenciais, residenciais, económicos e ocupacionais que são necessários para garantir a recuperação do paciente e integração na comunidade.  
            Foi designado que os tutores são as Auxiliares de Enfermería, sendo estas, tutoras de 4 a 5 pacientes.
            Durante a aplicação deste plano realizam registos periódicos nas áreas:
- higiene, vestuário, alimentação, hábitos para o sono, medicação, dinheiro, actividades, ócio, ambiente, relações, família, transporte e condutas problema.
           
            Como foi dito o PIR é reformulado periodicamente, mas tratando-se as UR unidades de médio internamento (entre 6 a 9 meses) os objectivos são traçados dentro desse período. Por isso são traçados objectivos pouco ambiciosos e graduais, o que leva muitas vezes a que o plano se prolongue no tempo e ultrapasse o preconizado para atingir o seu principal objectivo: o máximo de autonomia para a pessoa.
Bibliografia


  • CORDO, Margarida. Reabilitação de Pessoas com Doença Mental. Lisboa: Climepsi Editores. 2003.

  • Programa de rehabilitación y apoyo comunitário Instituto Psiquiátrico José Germain. 1997.

  • Relatório Mundial de Saúde  - Saúde mental : nova concepção, nova esperança/ World Heath Organization,. Lisboa. Direcção Geral de Saúde. 2002


  • Stuart, Gail W.; Laraia, Michele T.. Enfermagem Psiquiátrica – Princípios e Prática. Porto Alegre. Artmed. 6ª ed .2001.



(http://www.arslvt.minsaude.pt/DocumentosPublicacoes/outrosdodumentos/Documents/Ref_Hosp_Psiquiatria.pdf)