terça-feira, 20 de setembro de 2011

À minha espera para dizer adeus...

Trabalhei pouco tempo no IPO em Lisboa mas algumas experiências marcaram-me muito. Algumas recordo-as com alguma nostalgia e lembram-me momentos de alegria, mas a maior parte fazem-me sentir tristeza e um aperto no peito como se de uma ferida se tratasse.
No IPO lidamos com pessoas com cancro, tabu social ligado a morte e ainda pouco ligado à esperança. mas a verdade é uma só quem trabalha num sítio assim, nao escapa de uma dose de paranoia hiponcondríaca. Depois de algum tempo já temos sintomas imaginários e procuramos no nosso corpo sinais que não existem. É um trabalho/missão que não é para todos.
Trabalhei lá pouco tempo, mas depois deste episódio que vou a relatar não consegui mais e saí quando tive oportunidade.
Tinha iniciado o meu trabalho na instituição há cerca de 3 meses, e lá temos os pacientes distribuidos por enfermeiros, actuamos segundo o método de enfermeiro responsável.
Foi-me destribuída uma paciente que foi submetida a uma vulvectomia por carcinoma da vulva. Para mim a cirurgia mais mutilante para a mulher. Cirurgia para remover toda a vulva (os órgãos genitais femininos externos, incluindo a abertura clitóris, lábios e vagina) e os linfonodos próximos.(http://wikbio.com/pt)
Era uma senhora com os seus setenta anos, um pouco obesa com as marcas de uma vida feliz no rosto. assemelhava-se fisicamente com a minha avó, depois mais tarde descobri também que era parecida psicológicamente. Desenvolvemos uma realção muito engraçada logo de inicio. eu disse-lhe que ela era parecida com a minha avó e que sentia saudades dela pois estava sozinho em Lisboa. A empatia foi imediata e depois de algumas horas de contacto ela disse-me que apesar de ter 10 netos me adoptava como mais um. Era a minha avó lisboeta.
O Tempo foi passando e todos os dias eu chegava junto a cabeceira da minha avó adoptiva e lhe dizia: Bom dia avó como se sente hoje. Ela com um olhar meigo e um sorriso rasgado me respondia bom dia meu neto, estou bem, Deus te abençoe. A relação evoluiu e viam-se melhoras no estado de saúde dela.
A hora das visitas era rodeada de muito amor com os netos em volta da avó galinha e eu ali estava como mais um neto, a quem ela chamou o meu novo neto. Sorria ao dizer-me isto e toda a familia me acarinhava como se mais um membro eu fosse.
A verdade é que me senti muito encarinhado e apesar de saber que o meu envolvimento emocional com oas pacientes tem que ter limites, nesta situação envolvi-me pois quando estamos rodeados de amor queremos ser amados.
Chegou o meu momento de férias. Tinha uma semana de férias  para gozar e despedi-me da minha avó adoptiva e desejei-lhe boas melhoras acompanhadas com um beijo na testa.
Fui ter com a minha familia biológia e matar saudades daqueles que amo.
Regressei de férias e depois de passar o turno dirigi-me ao quarto da minha avó adoptiva. Já não era minha paciente mas a afinidade ficou e tinha que saber como ela estava. Fui perguntar como ela estava aos meus colegas. Disseram-me que estava pior e que o tumor tinha metastizado e que estava em estado comatoso há dois dias. Não foi fácil ouvir que uma pessoa a quem me tinha ligado tanto, já não estava consciente há dois dias e que estava a morrer.
Fiz-me forte, contive as lágrimas e fui vê-la na esperança de um sorriso.
Sentei-me perto dela, peguei-lhe na mão já gelada e como sempre tinha feito disse-lhe:
Bom dia minha avó, como se sente hoje?
Ela, sem abrir os olhos, numa voz trémula mas com toda a doçura que a tinha respondeu-me baixinho.
Bom dia meu neto, Deus te abençoe para toda a vida...e morreu.
Chorei.......

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