domingo, 25 de setembro de 2011

O resíduo que fica de uma pessoa...

Na minha profissão muitas situações nos deixam constrangidos, tristes e sem capacidade de resposta. Esta é mais uma destas situações que me deixaram sem resposta.
No decorrer do meu estágio em Madrid, foi chamado à consulta de psicologia um paciente homem, já com uma certa idade e com uma degradação física evidente para avaliar como estava o processo de reabilitação a decorrer. Durante a consulta foi-lhe perguntado se sabia qual era o seu diagnóstico médico. Sem retirar os olhos do chão respondeu, em tom baixo de voz, que sim, que era esquizofrenia residual. Foi-lhe então perguntado se sabia o que era. Mais uma vez respondeu que sim e num tom de voz ainda mais baixo, quase inaudível disse, levantado o olhar, “é o resíduo que fica de uma pessoa”.
            Fez-se silêncio e pouco mais foi dito sobre o tema. Todos os profissionais presentes sentiram as palavras que o paciente pronunciou e nenhum deles conseguiu acrescentar o quer que seja, a esta ideia.
            Eu senti um aperto no estômago, aquela moinha nervosa que aparece em certos momentos importantes da nossa vida, e as palavras deste paciente ecoaram na minha cabeça durante horas nesse dia. Reflecti muito sobre o assunto e tentei encontrar uma definição mais completa de esquizofrenia residual mas a verdade é que nenhuma me satisfez e a define com tanto incómodo como o paciente a definiu.
            Ao consultar a DSM IV esta refere-nos que a Esquizofrenia, Tipo Residual deve ser usado quando houve pelo menos um episódio de Esquizofrenia, mas o quadro clínico actual não apresenta sintomas psicóticos positivos proeminentes (por ex., delírios, alucinações, discurso ou comportamento desorganizados). (F20.5x - 295.60 Tipo Residual - DSM.IV)
            Existem contínuas evidências da perturbação, indicadas pela presença de sintomas negativos (por ex., afecto embotado, discurso pobre ou avolição) ou dois ou mais sintomas positivos atenuados (por ex., comportamento excêntrico, discurso levemente desorganizado ou crenças incomuns). Se delírios ou alucinações estão presentes, eles não são proeminentes nem são acompanhados por forte afecto. O curso do Tipo Residual pode ser limitado, representando uma transição entre um episódio pleno e uma remissão completa. Entretanto, ele também pode estar presente de uma forma contínua por muitos anos, com ou sem exacerbações agudas.
Um tipo de Esquizofrenia no qual são satisfeitos os seguintes critérios:
A. Ausência de delírios e alucinações, discurso desorganizado e comportamento amplamente desorganizado ou catatónico proeminente.
B. Existem evidências contínuas da perturbação, indicadas pela presença de sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas relacionados no Critério A para Esquizofrenia, presentes de forma atenuada (por ex., crenças estranhas, experiências perceptuais incomuns).
            A CID 10 define a Esquizofrenia residual como Estádio crónico da evolução de uma doença esquizofrénica, com uma progressão nítida de um estádio precoce para um estádio tardio, o qual se caracteriza pela presença persistente de sintomas "negativos" embora não forçosamente irreversíveis, tais como lentidão psicomotora; hipoactividade; embotamento afectivo; passividade e falta de iniciativa; pobreza da quantidade e do conteúdo do discurso; pouca comunicação não-verbal (expressão facial, contacto ocular, modulação da voz e gestos), falta de cuidados pessoais e desempenho social medíocre.
           
            Se fizer a comparação destes critérios com o que o paciente disse será que a definição que ele apresentou não estará tão completa?
            Ao consultar o dicionário da língua portuguesa e procurarmos a definição de resíduo encontramos: Que resta. s. m. Aquilo que resta. O que fica das substâncias submetidas à acção!ação de vários agentes químicos; fezes; resto. Pois não será a esquizofrenia residual o que resta depois do instalar da doença?
            Fez-me pensar e ao olhar para trás e visualizar os pacientes que apresentam este diagnóstico apercebi-me que a esquizofrenia não é só incapacitante mas reduz o ser humano na sua verdadeira essência, deixando por vezes o resto de uma pessoa que antes da doença tinha expectativas de um futuro sem limitações.
            Não estou a dizer que estes doentes não apresentem expectativas, pelo contrário, só estou a focalizar a parte negativa da doença que se evidencia nas limitações que facilmente observamos nestes doentes. Muitos pacientes conseguem uma vida quase normal, autónomos e com o mínimo de ajuda institucional. E apresentam expectativas, sonhos e desejos. Se assim não fosse, os programas reabilitacionais a que tenho assistido e todo o trabalho que tem sido desenvolvido com estas pessoas seria inglório.

3 comentários:

  1. Nenhum trabalho é inglório quando feito de coração. Parabéns pela força escrever dedicação eduardo.

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  2. Ola, nao ha mais artigos? Desde 2012..

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