domingo, 24 de junho de 2012

Uma estrela que brilha para a eternidade

Ultimamente tenho pensado muito no que hei-de escrever para actualizar o Blog e muitos acontecimentos passados na minha vida de enfermeiro me vêm à cabeça para poder partilhar, mas especialmente um relembro com tristeza, carinho e nostalgia.
Há cerca de 5 anos, talvez, conheci um grande sr. da musica portuguesa: João Aguardela. Para quem não conhece o nome, foi o vocalista da banda Sitiados, aquela banda que cantava esta vida de marinheiro está a dar cabo de mim… paparrapara…
Acompanhei todo o processo de doença do qual foi vitima, desde o diagnóstico até ao trágico desfecho. O João foi morreu de cancro intestinal, doença que a pouco e pouco que foi ceifando pedaços do intestino sucessivamente ate ficar apenas um pequeno pedaço. A alimentação fazia-se por uma sonda inserida nesse pedaço, mas pouco era absorvido, e tinha que ter um soro.
Não posso contar mais sobre situação dele pois faz parte do segredo profissional a que devo obedecer, no entanto quero partilhar uma conversa que tive com ele antes de ele falecer.  Aconteceu num ambiente informal, perto da máquina do café. Já tinha saído de turno e estava de visita aos meus colegas do meu antigo serviço.
Já era final do dia, o ambiente estava escurecido com nuvens cerradas lá fora mas temperadas por laivos alaranjados de um pôr-do-sol que se antevia. A luz que entrava pela janela batia no rosto do João e os pingos do soro a cair brilhavam a cada movimento. Sentado no sofá das visitas, como quem espera por algo, João estava em silêncio a olhar para um fim anunciado. Visivelmente emagrecido, e quem conhecia o João sabia que era um homem magro, com a pele acinzentada e os grandes olhos azuis encovados no rosto apercebeu-se da minha inoportuna chegada que rompeu toda a melancolia e romantismo do ambiente.
Fiquei atrapalhado mas o sorriso do João denunciou logo a alegria de me ver. Convidou-me a sentar junto a ele e a conversa iniciou-se com o trivial: Como está? Como se sente? O que tem feito? etc. até que chegámos ao tema da música: a grande paixão dele. Disse-lhe que nessa manhã tinha pensado nele porque tinha ouvido a famosa canção Esta vida de marinheiro e que era uma canção que fica para a eternidade, assim como os Filhos da nação dos Quinta do Bil ou a Alegre casinha dos Xutos. Ele sorriu e disse-me que ainda bem que pensava assim, pois assim podia partir e sabia que tinha deixado a marca dele no mundo e que antes de se despedir estava a pensar em deixar outras canções escritas para que fossem a sua voz cantada por outros.
Sem dúvida, que o João tinha uma estrela no ombro que brilhava mais que as outras, tinha um carisma especial de grande artista e tinha uma voz que o tornava único.
Diz-se que o João morreu no Hospital da Luz, que foi lá morrer para não o fazer junto a quem viveu a sua doença e para não ser recordado como um corpo inerte, mas sim como alguém que lutou até ao final para partir com dignidade. Eu soube pela rádio e não consegui segurar uma lágrima que me escorreu pelo rosto.
João, se de alguma forma me estás a ouvir, quero repetir-te o que te disse naquele dia: podem não lembrar-se da tua cara, não saber quem tu eras ou o que tu fazias mas a tua voz nunca vai ser esquecida.

1 comentário:

  1. São estes testemunhos que tantas vezes nos (me) dão alento para continuar.
    Sim, porque viver não é fácil.
    Abraço.

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