A reflexão sobre um assunto implica que saibamos o que actualmente se aceita como conceito, quais as características que o definem e quais os elementos que o compõem. Vou então, apresentar alguns conceitos universalmente aceites e que servem de base a qualquer programada de reabilitação implementada ou que se queira implementar.
Segundo a OMS (1995), reabilitação em psiquiatria é um processo que oferece aos indivíduos que estão debilitados, incapacitados ou deficientes, devido a perturbação mental, a oportunidade de atingir o seu nível potencial de funcionamento independentemente da comunidade. Envolve tanto um incremento de competências individuais como a introdução de mudanças ambientais.
Já o Relatório Mundial de Saúde (2001) refere que, as estratégias de reabilitação psicossocial variam segundo as necessidades do utente, o contexto no qual é promovida a reabilitação (hospital ou comunidade) e as condições culturais e socioeconómicas do país onde é levada a cabo. As redes de habitação, reabilitação profissional, emprego e apoio social constituem assim aspectos da reabilitação psicossocial. Os principais objectivos são a emancipação do doente, a redução da descriminação e do estigma, a melhoria da competência social e individual e a criação de um sistema de apoio de longa duração.
Numa perspectiva mais pessoal Cordo (2003) define que a reabilitação não é o meio onde se faz, mas sim os métodos que se utiliza para atingir os objectivos, especifica que:
“Intervir em reabilitação, não é somente produzir (…) Implica aumentar a satisfação sentida pelo reabilitado; ajudá-lo a implementar estratégias para melhor gerir a sua realidade global, participar e promover a sua cidadania integral (…) é respeitar cada pessoa para além, ou apesar da doença; é assumir que o que importa não são só os serviços de reabilitação de que dispomos, mas os programas que conseguimos delinear, considerando cada indivíduo como primeira prioridade; é transformar a pessoa doente numa gestora consciente e critica das suas competências e das suas incapacidades; é ainda informar sem iludir, motivar sem impor, sugerir sem ameaçar, apoiar sem proteger e tantas vezes, estar presente sem se deixar ver.” (Cordo. 2003:83).
Neste sentido podemos dizer que a reabilitação faz parte da prevenção terciária, e trata-se de um processo que consiste em ajudar para que a pessoa volte ao nível mais alto possível do seu funcionamento. O objectivo é ensinar os indivíduos incapacitados pela doença mental a trabalhar e a viver independentemente, a superar bloqueios tanto em oportunidades quanto na motivação e seguir regimes de vida que tendem a manter ou restaurar o nível mais alto possível de bem-estar. (Sundeen in Stuart e Laraia.1998:275)
A mesma autora refere que a reabilitação psiquiátrica teve a sua origem na necessidade de pessoas com “doenças mentais sérias” vivessem, aprendessem e trabalhassem nas suas próprias comunidades. Este enfoque na pessoa, mas direccionado para um processo reabilitacional na comunidade, implicou a reestruturação dos serviços de saúde mental e a própria legislação vigente.
O modelo comunitário, inspirador do nosso actual sistema, foi particularmente preconizado pela OMS no início dos anos 70, sendo desenvolvido em vários países da Europa e da América do Norte, caracterizando-se, genericamente, pelo facto de as estruturas de intervenção:
• Estarem localizadas mais perto da residência dos cidadãos;
• Serem parte do sistema de saúde geral, o que contribui para diminuir o estigma frequentemente associado às instituições psiquiátricas;
• Disponibilizarem a globalidade de cuidados (preventivos, terapêuticos e reabilitativos), de modo abrangente, com garantia da sua continuidade pela mesma equipa profissional e com estreita articulação entre os diversos prestadores.
(http://www.arslvt.minsaude.pt/DocumentosPublicacoes/outrosdodumentos/Documents/Ref_Hosp_Psiquiatria.pdf)
Em Portugal actualmente é defendido e legislado, o abandono da cultura asilar para uma cultura comunitária do doente mental. Defende-se a reinserção social, o seguimento comunitário do processo reabilitacional e o envolvimento da própria comunidade no processo.
Esta perspectiva foi também assumida por Portugal, em 1985, na 2.ª Conferência de Ministros da Saúde do Conselho da Europa, em Estocolmo, a qual consignou que “a organização assistencial deveria transitar dos hospitais psiquiátricos para serviços comunitários baseados em hospitais gerais e em estreita articulação com as unidades de cuidados de saúde primários”.
(http://www.arslvt.minsaude.pt/DocumentosPublicacoes/outrosdodumentos/Documents/Ref_Hosp_Psiquiatria.pdf)
O envolvimento da comunidade neste processo, directamente como interveniente ou indirectamente na formação e educação, contribui para o combate ao estigma social, na luta contra ao isolamento asilar e na prevenção de novas recaídas e reinternamentos do doente mental.
A desinstitucionalização dos serviços de saúde mental e a criação de serviços desta natureza ao nível dos cuidados primários, dos centros comunitários e dos hospitais gerais, adequados às necessidades dos doentes e das respectivas famílias podem contribuir para a inclusão social. Os grandes hospitais ou asilos psiquiátricos podem facilmente contribuir para reforçar a estigmatização. No âmbito de reformas dos serviços psiquiátricos, muitos países estão a abandonar a prestação de serviços de saúde mental através de grandes estabelecimentos psiquiátricos (em alguns dos novos Estados-Membros, as instituições desta natureza ainda representam uma grande parte da infra-estrutura dos serviços de saúde mental) em favor de serviços de proximidade. Esta tendência está em sintonia com a formação dos doentes, das respectivas famílias e do pessoal em estratégias de participação activa e de autonomização.
(http://www.arslvt.minsaude.pt/DocumentosPublicacoes/outrosdodumentos/Documents/Ref_Hosp_Psiquiatria.pdf)
Porque a reabilitação não dá ênfase aos sintomas psicopatológicos mas sim às capacidades funcionais dos indivíduos (Cordo, 2003), o papel do enfermeiro torna-se fundamental na capacitação e no empoderamento da pessoa no seu processo reabilitacional para que o processo de reinserção social seja o mais eficaz possível e se perspective um futuro funcional e com número mínimo de internamentos.
A enfermagem psiquiátrica deve ser estudada nos contextos do paciente do paciente e do sistema social. Isso exige que o enfermeiro mantenha seu foco em três elementos: no indivíduo, na família e na comunidade. Os cuidados de enfermagem para pessoas com doença mental séria está relacionada a esses três elementos e com as actividades de avaliação, intervenção e avaliação final. (Sundeen in Stuart e Laraia.1998:276)
Esta visão integrada da reabilitação é, sem dúvida, o ideal para o bom funcionamento do doente mental na comunidade, no entanto, considero que este processo que visa a autonomia da pessoa poderá ser de difícil aplicação prática em alguns casos. A doença mental grave, que afecta as capacidades motoras e cognitivas da pessoa em grande percentagem dos casos, não permite uma independência total da pessoa na comunidade, continuando a pessoa depender de estruturas organizacionais ou da boa vontade alheia.
Não sendo um “Velho do Restelo”, considero que a reabilitação exige um despertar para a autonomia, um reaprender a viver e uma nova forma de encarar o mundo, mas é necessário ter consciência que existem limitações individuais inerentes à pessoa, à gravidade da doença e à capacidade da comunidade em dar resposta. Considero que é fundamental um traçar realista de objectivos tendo sempre em conta os recursos existentes e as limitações da pessoa. Conquistar a autonomia por etapas em que cada objectivo traçado foi atingido é uma grande vitória para o paciente, para a família e para o profissional.
Programa de reabilitação no Instituto Psiquiátrico Servicios de Salud Mental José Germain
O programa de reabilitação do Instituto Psiquiátrico Servicios de Salud Mental José Germain inicia-se na notificação do paciente para este programa (detecção de casos). Esta notificação vem normalmente do Centro de Saúde Mental, mas poderá vir de um Hospital geral ou da Unidade de Hospitalização Breve (UHB). Após esta notificação uma equipa multidisciplinar reúne-se, estuda caso por caso e identifica (ou não) necessidades de cuidados de reabilitação (avaliação). Identificadas essas necessidades é feito um PIR (plano individualizado de reabilitação) e o paciente integra os dispositivos de reabilitação tendo em conta os objectivos traçados e as necessidades afectadas (gestão de casos). Os dispositivos de reabilitação são o Centro de dia de Reabilitação, as Unidades de Reabilitação 1 e 2, os apartamentos supervisionados e o Hospital de Dia. (Programa de rehabilitación y apoyo comunitário Instituto Psiquiátrico José Germain. 1997).
O Plano individualizado de reabilitação é um plano estruturado, definido pela equipa multidisciplinar mas “formalizado no papel” pelos psicólogos. A sua aplicação envolve todos os profissionais e a constante avaliação da sua aplicação implica a sua frequente reestruturação.
O desenho do PIR apresenta o seguinte formato:
1 – necessidades do paciente;
2 – recursos do paciente;
3 – objectivos de reabilitação;
4 – actividades e áreas de intervenção;
5 – estruturação temporal.
A execução do PIR passa pela reabilitação laboral, a reabilitação psicossocial e a reabilitação ocupacional.
A reabilitação laboral está relacionada com as habilidades e ajuste laboral, com a orientação vocacional e a procura de emprego.
A reabilitação psicossocial tem como objectivos estimular a autonomia e autocuidado nas actividades da vida diária, desenvolver e estimular o funcionamento cognitivo, realizar educação para a saúde, desenvolver técnicas de autocontrolo, estimular as habilidades sociais, prevenir recaídas e intervir junto das famílias através da psicoeducação.
A reabilitação ocupacional como o próprio nome indica passa pelo desenvolvimento de actividades ocupacionais, o estímulo da autonomia e autocuidado e a aderência à medicação.
Como já foi referido neste programa, todos os profissionais intervém na sua implementação. No entanto, foi desenvolvido o sistema de Tutorias.
As Tutorias é um sistema de trabalho que:
- permite trabalhar um conceito global e individual do paciente;
- precisa de um trabalho multidisciplinar;
- é um processo dinâmico;
- implica os pacientes na detecção, selecção, priorização e estabelecimento de metas e seguimento dos seus resultados.
Deve ter em conta que:
- devem formar-se metas pequenas, claras e graduais;
- os progressos devem ser acompanhados de frequente feedback e reforço positivo;
- as mudanças destes pacientes são, frequentemente, muito lentos;
- são utilizadas técnicas de modificação de conduta;
- e é necessária uma continua formação da equipa multidisciplinar.
O tutor é a pessoa encarregada de supervisionar a execução do PIR. É o profissional que intervém directamente na realização do plano, na sua execução e na sua avaliação. Tem como função facilitar o acolhimento na unidade do paciente durante os primeiros dias de internamento e participar na articulação dos recursos assistenciais, residenciais, económicos e ocupacionais que são necessários para garantir a recuperação do paciente e integração na comunidade.
Foi designado que os tutores são as Auxiliares de Enfermería, sendo estas, tutoras de 4 a 5 pacientes.
Durante a aplicação deste plano realizam registos periódicos nas áreas:
- higiene, vestuário, alimentação, hábitos para o sono, medicação, dinheiro, actividades, ócio, ambiente, relações, família, transporte e condutas problema.
Como foi dito o PIR é reformulado periodicamente, mas tratando-se as UR unidades de médio internamento (entre 6 a 9 meses) os objectivos são traçados dentro desse período. Por isso são traçados objectivos pouco ambiciosos e graduais, o que leva muitas vezes a que o plano se prolongue no tempo e ultrapasse o preconizado para atingir o seu principal objectivo: o máximo de autonomia para a pessoa.
Bibliografia
- CORDO, Margarida. Reabilitação de Pessoas com Doença Mental. Lisboa: Climepsi Editores. 2003.
- Programa de rehabilitación y apoyo comunitário Instituto Psiquiátrico José Germain. 1997.
- Relatório Mundial de Saúde - Saúde mental : nova concepção, nova esperança/ World Heath Organization,. Lisboa. Direcção Geral de Saúde. 2002
- Stuart, Gail W.; Laraia, Michele T.. Enfermagem Psiquiátrica – Princípios e Prática. Porto Alegre. Artmed. 6ª ed .2001.
(http://www.arslvt.minsaude.pt/DocumentosPublicacoes/outrosdodumentos/Documents/Ref_Hosp_Psiquiatria.pdf)
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